O conceito japonês de ba foi introduzido em 1996 por Ikujiro Nonaka e Noburo Konno (XXX). Desde então, exerce um papel fundamental sobre o caminho japonês de criação de conhecimento (XXX, Nonaka BOOKMAN). Esse conceito começa a fazer parte dos jargões utilizados na literatura especializada de Knowledge Management. O ba comporta uma espécie de indeterminação orientada, aberta e tacitamente vivida como um círculo de conivência (Fayard, 2002). O ba não vem à realidade por decreto. Não é produzido pelo modelo do command and control próprio da gerencia piramidal tradicional. Ao contrário, é ajustado por atores voluntários dentro de um ambiente energize and stimulate (Nonaka)[1] com atenção ao respeito mútuo.
Para ilustrar a diferença e a complementaridade que existe entre, de um lado a percepção de sinais fracos captados pela sensibilidade do know-how tácito, da experiência de ofício e da intuição e, de outro lado, a informação explícita e objetiva, Noburo Konno (XXX)[2] refere-se a dupla Holmes – Watson. Pelo comportamento sensível, perspicaz e criativo dele, Sherlok Holmes identifica sinais fracos, processa-os pela indução e após combina-os para terem sentido. Ao contrário, o dedutivo Dr. Watson analisa e é por esta razão que ele descobre o sentido tarde demais. Ele racionaliza como um historiador o que Holmes apresenta a ele como elementar meu caro Watson!
Essas duas formas de processar a informação não são antagônicas mas complementares. As pré-concepções de Dr. Watson orientam as percepções de Holmes e até mesmo induzem a sua sensibilidade que o leva a identificação de sinais relevantes. Fazendo isso, a racionalidade de Dr. Watson liberta a imaginação de Holmes, tornando-o capaz de dedicar todo o tempo e astúcia a seu discernimento na identificação de sinais pertinentes. Isso constitui o cenário, a descoberta antecipada e explícita e as competências que casam criatividade e curiosidade não disponíveis a priori. Através de cada investigação, a dupla Holmes - Watson cria uma comunidade estratégica de conhecimento (BA) orientada na direção da descoberta da verdade. Eles reúnem atores e todos os indicadores possíveis que os permitem progredir em direção aos seus objetivos e, assim, de assumirem suas missões de detetives.
O sujeito e o objeto não existem separadamente,
para eles são os dois lados de uma realidade única[3].
Para destacar a dimensão filosófica do ba, Noburo Konno cita Derzou Ouzala, personagem central de um filme de Kurosawa. Este solitário caçador de peles do interior da Sibéria desenvolve uma alta sensibilidade aos sinais que chegam de seu ambiente e a harmonia em que ele vive em relação às condições e circunstâncias tornam-no parte da natureza. Derzou comunica-se inteiramente com esse todo do qual ele é apenas parte de um momento, uma modalidade da qual ele não está isolado como ser autônomo e auto-suficiente. Se for necessária sua morte, ele morre e permanece em harmonia com o que o ambiente requer. Por outro lado, por menos energia que ele tenha, ele ainda consegue ser ativo sem se distinguir do ambiente que o contorna e do qual ele ainda faz parte[4].
Derzou Ouzala não força os acontecimentos, mas funde-se à unidade global e descobre as melhores soluções em função do conjunto ação-reação (ele mesmo – o ambiente)[5]. Ao andar ele recebe a reação da terra, ele não se afunda por que a terra é parte do movimento dentro de uma unidade interdependente complementar[6]. Esse comportamento ambiental e relacional é baseado na comunidade. Derzou Ouzala nunca está sozinho e isolado do mundo. A mesma energia que suporta a natureza é a que o suporta vivo dentro de um ba abrangente que é um momento onde se cruzam o passado e o futuro imediato. Não é ele que quer e deseja, mas sim a comunidade que ele constitui com a natureza[7].
Através de sua exposição às forças da natureza, o pintor coreano
Ohwon luta para o despertar das modalidades similares dentro dele,
para que ele possa traduzi-las no papel.
Da mesma forma o filme Wild With Women and Painting[8] do autor sul-coreano Im Kwon-Taek que relata episódios da vida do emblemático artista Ohwon-Jang Seung-Up, salienta a íntima relação que une os seres, quaisquer que seja a forma e a existência. Ao longo de sucessivas cenas, Ohwon impregna-se da energia que emana da correnteza dos rios, do brotar das folhas, da nuvem de pássaros, da neve que cobre uma paisagem... até que acaba por desaparecer dentro do fogo de um forno de ceramista. Não existe nenhuma diferença entre a sua arte e o trabalho da natureza. A realização de suas pinturas traduz o permanente fluxo das transformações. Em outras palavras, como o artista repercute com elas, ele é capaz de deixá-las transparecer como um eco em suas obras.
O vinho e a paixão representam o meio de dissolver os limites da individualidade do pintor, de torná-la porosa, a fim de alcançar um nível de sensibilidade e de consciência (higher self) que o abra para uma comunhão íntima com a sua realidade superior. Sua criatividade repousa na sua aptidão de ser um com o todo e vibrar com as forças que lhe fazem existir. Essa é a essência de seu trabalho e o artista não age apenas por suas próprias vontades mas de acordo com o contexto no qual ele é parte.
As comunidades de conhecimento nas empresas?
Se nós transportamos essas reflexões à empresa é pelo fato de que ela está em uma fase com o mercado a ponto de não se distinguir dele, integrando-se assim ao seu ambiente externo. Ela beneficia-se da energia das evoluções do mercado, satisfazendo assim as suas necessidades. Ao inverso, a distinção da empresa ao seu ambiente não é somente fator de lentidão nas relações, mas também significa a não-mobilização e a falta do benefício da energia e da inteligência tácita contida dentro de um contexto abrangente. Uma fraca diferenciação da empresa e seu ambiente permitem de manter uma disponibilidade flexível e orientada em relação aos sinais que convertem informação em conhecimento[9] dentro da atmosfera da comunidade do ba. Quando algo é criado o seu autor contribui essencialmente para essa nova existência e pode perder o foco para tudo o resto, o que está ao redor não pode ser mais percebido.
“Ter uma idéia significa fazer uma escolha, tomar partido e então deixar no obscuro uma parte da realidade: desenvolvendo um pensamento parcial e por conseqüência enviesado (...) o homem sábio não tem nenhuma regra, nem princípios, ele está pronto para fazer uma coisa ou outra dependendo do momento. Ele tem uma capacidade de oportunismo de fazer o que requerer determinada situação”[10]. Como se vai para o fracasso, diz Noboru Konno, ao pensar unicamente sobre ele pode-se criar as condições favoráveis para que ele ocorra. “O ambiente é infernal na medida que o inferno está dentro de você, então você é parte dele”[11]. O ciclo das transformações é infinito, o tempo não pode ser parado. O fluxo é a palavra chave como ocorre com a informação. “Se você mantiver a informação (guardando sob chaves), você envenena-se da mesma maneira como um câncer que se desenvolve. Você não pode matar a si próprio guardando a informação”[12].
A filosofia do ba é uma ruptura com uma idéia de criação de conhecimento fora de um contexto, de maneira individual, autônoma e fora das interações humanas. Ele se trata, ao contrário, de um processo dinâmico e aberto que ultrapassa os limites do indivíduo e que se concretiza por meio de uma plataforma onde os atores usam uma linguagem comum à serviço dos objetivos comunitários semelhantes. O ba está em primeiro lugar no processo de criação de conhecimento e a energia humana utilizada poderá ser estendida e otimizada com os recursos das TICs (Tecnologias de Informação e de Comunicação). As TICs não podem ser a primeira etapa da gestão do conhecimento. Fluído e sem fronteiras, o ba se modifica em função daqueles que participam. Uma comunidade estratégica do conhecimento não é restringida exclusivamente à história e aos limites espaciais de uma organização, mas é conduzida pela noção de projeto abrangente. Desse fato é a organização da empresa que é chamada a se transformar. “A sociedade informacional é uma forma de organização em que a criação, o tratamento e a transmissão da informação tornam-se as fontes de produtividade e de saber através da aplicação das TICs à criação, ao tratamento e à transmissão da informação dentro de um ciclo de retroação cumulativa”[13].
Pierre Fayard, © 2004, mas: O modelo inovador japonês de gestao do conhecimento, Pierre Fayard, Ed. Bookman, Porto Alegre, 2009.
[1] Kazue Kikawada, Konowledge Dynamic Initiative, Fuji Xerox, doc. Interne, Tokyo 2000.
[2] Entrevista com o autor, fevereiro de 2002.
[3] Nishida, 1990.
[4] O samurai experiente não pensa nem na vitória nem na derrota, ele se contenta de lutar como um demente até a morte. Mishima in Hagakuré – ver bibliografia.
[5] Dentro da analogia semelhante à água que toma a forma do recipiente que a contém. Miyamoto Musashi, Gorin-no-so, ver bibliografia.
[6] Noboru Konno aplica essa imagem à relação de uma empresa ao seu mercado.
[7] Mesma observação da nota precedente.
[8] Título original: Chiwaseon (2001).
[9] Os dados apresentam-se objetivos e mensuráveis, quando eles são selecionados em função de uma intenção eles se transformam em informação, mas é a experiência e o contexto que os torna conhecimento. Sobre essa diferença qualitativa entre dados, informação e conhecimento, ver Davenport & Prusak, Information Ecology. Conforme a bibliografia.
[10] Jullien François, entrevista em “Sciences Humanines n. 125, Paris, Mars de 2002.
[11] Naburo Konno, entrevista com o autor deste artigo, Tokyo, 2002.
[12] Idem.
[13] Manuel Castells, La société em réseau, 1998.
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