A ligaçao entre liberdade de açao e informaçao é muito estreita. Para Ferdinand Foch, este principio mede o grau de independência de um ator em matéria de concepçao, de escolha decisional e de implantaçao em relaçao ao nivel de limitaçao e de pressao de seu ambiente sobre um dado teatro e/ou em relaçao a um ou diversos outros atores. Quanto mais o mesmo dispoe de uma soma elevada de alternativas e pode determinar soberanamente, mais sua liberdade de açao e grande e vice versa. O fato de que os Estados Unidos da América recusam, em 1997, com uma voz contra catorze, a eleiçao do secretaio geral da ONU, indica que la eles dispoem de uma liberdade de açao quase total. Que ela atue em soma nula em caso de conflito, ou variavel em caso de cooperaçao ou de negociaçao[1], a liberdade de açao é relativa e repousa também na inteligência das situaçoes. Segundo Sun Zi[2], o conhecimento de si e do outro assegura o exito de todo empreendimento porque a partir deste conhecimento sabe-se quando, onde e como se engajar ou nao se engajar. A conquista da liberdade de açao é tanto mais ao alcançe da mao quanto o nivel de informaçao permite a previsibilidade do comportamento do adversario ou da concorrencia. A informaçao é também ingrediente natural da manipulaçao, ou seja da instrumentalizaçao da estratégia de terceiros, recomposta em outra mais englobante.
A margem de liberdade se adquire positivamente através da informaçao mas também proibindo o acesso a ela. Mergulhar o outro na incerteza quanto às opçoes do mesmo, impedi-lo de ver e de implantar seus sistemas de comunicaçao, o extenua e o obriga a se posicionar em todos os terrenos para finalmente nao ser forte em nenhum deles. Mas, se a informaçao para si e sua privaçao para o outro representa uma condiçao necessaria, ela nao é para tanto suficiente. Os jogadores de xadrez sabem que um erro tatico pode ser fatal, mesmo a despeito de um desequilibrio estratégico claramente favoravel. Pode acontecer que aproveitando ritmos e espaços estreitos, um ator dominado venha a entornar uma situaçao. A preocupaçao com o aumento permanente da liberdade de açao nao deve fazer esquecer o objetivo concreto da decisao e/ou da mudança qualitativa. Foram necessarias cem horas de açao por via terrestre para por fim à guerra do Golfo, mas esta rapidez pressupoe sete mil horas de preparaçao previa e mil horas de operaçoes aereas para arrasar os sistemas de comunicaçao e de comandos iraquianos. Tal como a estratégia, a informaçao e a comunicaçao nao representam um fim em si mesmas.
A economia dos meios e a comunicação
E à comunicaçao que este terceiro principio esta estreitamente ligado. Otimizar o uso dos recursos esta na base do funcionamento dos impérios onde uma regiao-centro domina um espaço desmedidamente grande em relaçao aos poucos meios disponiveis." Que um pequeno pais, com um exercito fraco, tenha sido capaz de reunir sob seu imperio as regioes mais cobiçadas da terra e de fazê-lo às custas das maiores potências militares, la esta um paradoxo que estas potencias dificilmente adimitem"[3]. No final do século XVIII, a desproporçao demografica entre o Reino Unido e a França inclinava-se claramente em favor da França numa proporçao de dois e meio, ou seja dez milhoes contra vinte e seis milhoes. Consciente de sua dependência em relaçao ao mar, a Inglaterra organiza o conjunto de seus meios num "organismo complexo dirigido a partir de um centro comum e bastante elastico para lhe permitir a cobertura de um vasto campo asseguranto a sustentaçao mutua dos diversos elementos"[4].
O que os ingleses conseguiram magistralmente sobre o elemento liquido e para além do mesmo, Napoleao Bonaparte, para quem a estratégia consistia em cortar as comunicaçoes inimigas, implantou em terra desenvolvendo o principio divisionario enunciado por Guibert[5].Dividir uma massa para torna-la mais adaptavel aos perigos a às oportunidades, mais rapida em seus movimentos e mais livre em relaçao aos obstaculos geograficos nao seria possivel sem a existencia de uma articulaçao comunicacional que fez o Imperador ter o conjunto do corpo das tropas dispersadas em suas maos. Um tal dispositivo em rede reforçava a incerteza e o desconforto no campo oposto, incapaz de prever o local da concentraçao de forças. O ganho de liberdade resultava da excelência da economia. Desta forma, o Imperador criava os primeiros SIC[6], Sistemas de Informaçao e de Comunicaçao ou de Comando! A eficacia , em despeito e à causa da dispersao fisica das divisoes de Napoleao[7], so era possivel gracas ao S.I.C. que lhe permitia, em funçao da informaçao e da sua propria genialidade, fazê-los confluir para onde ele identificava uma vulnerabilidade no dispositivo adversario.
A economia de forças consiste na arte de articular as vias e os meios num sistema comunicante permitindo o apoio reciproco, a dispersao e a concentraçao, e o jogo entre informaçao e desinformaçao. Como a inclinaçao faz convergir em uma so massa as pequenas bolas de mercurio arrastadas pela gravidade, a aplicaçao do principio de existencia unifica e concentra as energias em torno de um projeto comum. Napoleao pôde concentrar a totalidade de seus meios contra as facçoes adversarias e esperar a decisao ate o dia em que os outros aprenderam suas inovaçoes. Desconectado, Grouchy fica sem causa e inutil quando o Prussiano Blücher chegou a um ponto decisivo chamado Waterloo! A economia de forças joga em favor dos co-aliados. Se, no seculo XIX, a comunicaçao permite solucionar a gestao de massas importantes, , Na virada do século XXI, é ainda ela que assegura a eficacia dos agenciamentos economicos e financeiros complexos funcionando em tempo real. Mas, com a sofisticaçao, cresce também a vulnerabilidade dos sistemas, cujas falhas podem desencadear-se em cascata.
A virtualização do principio de economia
Hoje, as redes de comunicaçao eletrônica permitem consideraveis ganhos de tempo mobilizando componentes heterogêneos espacialmente dispersos mas agrupados virtualmente num metasistema orientado. Nos assistimos à reproduçao da inovaçao nepoleonica, filha de Guibert. Distribuido em rede, o sistema nao e mais geograficamente localizado e a informaçao representa o influxo de base desta virtualizaçao do principio d economia. Diferentemente do SIC piramidal que permite ao imperador manter seu mundo a serviço de sua arte de execuçao, a concepçao horizontalde Arpanet[8] supoe a realidade de uma inteligencia distribuida tanto ao nivel da captura da informaçao quanto de seu tratamento[9].Desta articulaçao em rede resulta a açao de um so e mesmo organismo nas adaptaçoes em tempo real a serviço de um desenho ou de um objetivo mais especifico.
As bases de conhecimento que centralizam a informaçao necessaria à conduçao de um projeto ou de um desenho constituem um novo elemento estratégico. A area politica, economica, cultural ou militar, à ele recorrem enriquecendo-o especificamente em funçao de sua tarefa particular e global para inseri-lo numa sinergia. Uma base de conhecimento articula vias piramidais e horizontais de comunicaçao e mantém seus estoques de dados em interaçao permanente com os fluxos. Em situaçao de conflito ou de concorrência o diferencial de informaçao que elas criam jogam com a velocidade e com a efetividade superiores do metasistema do mesmo em relaçao ao do outro. Uma vez que o mundo virtual é feito de fluxos, os classicos da estratégia naval retomam a atualidade. "O objeto da concentraçao naval, como o do desdobramento estratégico, sera de cobrir a maior superficie possivel conservando flexibilidade e coesao de forma a assegurar rapida reuniao de duas ou mais partes do organismo em qualquer parte da superficie coberta, à vontade do cérebro diretor e sobretudo uma reuniao rapida e segura do conjunto do centro estratégico"[10] . Julian Corbett via na concentraçao um feliz efeito da dispersao. Quando se sabe que "la stratégie adore le vide"[11], a virtualidade representa um novo meio de dominar o espaço e de ai manter uma presença.
A interconexao dos sistemas de comunicaçao eletronica em nivel planetario, o baixo custo do "ticket de entrada", a saber um micro-computador conectado à uma linha telefonica, o alto potencial de contaminaçao sem verdadeiros limites espaciais e o poder multiplicador da maquinaria telepresencial geram uma nova dimensao na estratégia. Em 11 de fevereiro de 1995, um punhado de internautas mobilizados virtualmente pelo sub-comandante Marcos priva de liberdade de açao o governo mexicano apresentado como comprometido numa ofensiva tatica sangrenta contra a populaçao de Chiapas. Por intermédio de um comunicado alarmista difundido sobre a Tela, os zapatistas realizaram em profundidade uma fantastica contra estratégia virtual apostando nos efeitos multiplicadores assegurados por cada internauta, captor-tratador-redifusor[12] que as midias de massa orquestraram em nome da atualidade. A imagem dos mestres do mar, a ordem do dia mediatica funciona de forma excludente em proveito daquele que capta e trata a iniciativa por intermedio de um fluxo de informaçao. A iniciativa, o ritmo e a rede virtual sob medida dos zapatistas imobilizaram um poder politico mexicano apanhado de surpresa, obrigado em seguida a bater em retirada.
Generalizar o ensino de estratégia ?
A preocupaçao com o exame permanente de seu posicionamento em relaçao ao seu projeto (inteligência), ao ambiente, aos seus desafios e aos atores que ai se encontram supoe um tratamento constante da informaçao e da implantaçao de dispositivos de comunicaçao. A liberdade que trata sempre de ampliar pelo conhecimento dos outros e dos terrenos passa pela informaçao. A otimizaçao do uso dos meios serve à durabilidade e realizaçao do desenho. Os tres principios se condicionam e se implicam mutualmente. Se a informaçao e a comunicaçao sao por natureza estratégicas, a generalizaçao do acesso às NTIC[13] deveria ser acompanhada de uma difusao importante do ensino da estratégia. Quanto mais cresce o numero de conexoes e a realidade reticular contamina os lares, as culturas, as empresas e as naçoes, mais a estratégia deveria se impor como uma escola da "arte do encontro com o outro"[14] da distância de si mesmo para "dominar a dialética de interaçao de vontades"[15] e assegurar as condiçoes permanentes de aprendizagem e de criatividade. Esqueçamos o pleonasmo e retornemos à estratégia cujas dimensoes e necessidade tornam-se grandes "negocio vital para o Estado" segundo Sun Zi e Machiavel. A pesquisa em estratégia e em ciencias de informaçao e de comunicaçao se reencontram.
[1] A teoria dos jogos distingue entre os jogos onde o ganho de um protagonista é igual a perda de um outro (jogo à soma constante ou nula) daqueles nos quais o que esta em jogo varia com o tempo. Os primeiros sao bastante conflituais enquanto que os segundos permitem a cooperaçao entre os atores.
[2] Sun Zi, L'art de la guerre, Paris, Economica, 1998.
[3] Julien Corbett, Principes de stratégie maritime, Economica-FEDN, Paris, 1993.
[4] Ibid.
[5] Comte de Guibert, Essai général de tactique, 1772.
[6] Uma falha deste SIC na madrugada de Waterloo contribui para a sua derrota.
[7] Ver sobre isto as obras de Hubert Camon, La guerre napoléonienne, Paris, ISC-Economica, 1997 e do General Colin, Les transformations de la guerra, Paris, Economica-ISC,1989.
[8] Projeto do Pentagono Americano de 1968 que evoluiu para a atual Internet.
[9] Em La culture stretégique américaine, l'influence de Jomini, Paris, Economica-FEDN, 1993, Bruno Colson mostra o quanto esta é constituida a partir da interpretaçao por Jomini dos principios de Napoleao. E surpreendente de encontrar esta filhaçao até na Internet.
[10] Julien Corbett, op.cit.
[11] Pierre Fayard, Le Tournoi des dupes,Paris, L'Harmattan,1997.
[12] Pierre Fayard et Pascal Jacques-Gustave, Nouveaux médias et préventio des crises, Paris, Fondation pour les Etudes de Défense, 1997.
[13] Novas tecnologias de informaçao e comunicaçao
[14] Guy Labouérie, Stratégie, réflexions et variations, Paris, ADDIM, 1993.
[15] André Beaufre, op.cit.
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